- Purezinha, meu amor, vamos para a Serra da Mantiqueira, viver na
Fazenda do Buquira, herança que o vovô, o Visconde de Tremembé - Deus o tenha -
nos deixou.
Quando José Bento disse
isso, Purezinha já sabia que não teria jeito de fazer seu marido mudar de ideia.
Os dois se
conheceram na cidade de Areias, quando José Bento, um homem esbelto, elegante,
de cabelos escuros e lisos e um bigode bem tratado, trabalhava como promotor.
Os dois se
apaixonaram e se casaram e Purezinha vivia feliz da vida como esposa de um
importante advogado, quando a notícia da mudança mudou a vida do casal.
Mesmo achando
aquela ideia de virar fazendeiro uma grande maluquice, Purezinha fez as malas e
embarcou na aventura ao lado de José Bento.
Ele conseguiu
convencê-la falando palavras bonitas no seu ouvido, que a deixavam encantada:
- Loucura? Sonho?,
disse ele. Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo
teve início de outra maneira, mas já tantos sonhos se realizaram que não temos
o direito de duvidar de nenhum.
E assim, os dois
partiram junto com os filhos. No caminho, iam imaginando aquela fazenda linda,
com árvores de todos os tipos e um belo casarão bem cuidado. Purezinha sonhava
com as crianças correndo pelas terras da família e todos vivendo felizes para
sempre.
Mas, quando
chegaram na Fazenda do Buquira, encontraram uma enorme plantação de café
arruinada. E nem adiantava plantar mais nada ali porque o solo estava tão
destruído que nada cresceria.
José Bento, teimoso
que só ele, tentou fazer milagres. Passou os dias inventando projetos
mirabolantes para que crescesse ali uma linda plantação, mas chegava do
trabalho tão exausto que só pensava em dormir.
Quando acordava,
durante o café da manhã, contava a Purezinha que tinha sonhado com uma fazenda
linda. Uma fazenda, não, um sítio, dizia ele. No sonho, este sítio pertencia a
uma senhora que tinha muitos netos e eles viviam grandes histórias.
- Conta mais, conta
mais, pedia Purezinha, que achava a fazenda real tão sem graça que ficava
encantada com os sonhos do marido.
- Ah, dizia José
Bento, neste sítio tem uma cozinheira de mão cheia que faz as melhores comidas
do mundo. E tem um homem da roça que ensina as crianças a caçar sacis.
- Sacis?,
perguntava Purezinha.
- Isso mesmo, meu
amor, Sacis. E não pense que é apenas coisa da minha cabeça porque eles existem
de verdade, sabia?
Purezinha ria com
as graças do marido, mas adorava ouvir suas histórias e pedia que ele
continuasse contando seus sonhos.
- Bem, meu amor,
existe neste sítio uma boneca de pano que fala, aliás, é a mais tagarela de
todas, é muito divertida. Tem um outro boneco feito de sabugo de milho e tem
ainda um porquinho que só pensa em comida e um burro que de burro não tem nada,
é na verdade muito inteligente.
Depois do café,
José Bento voltava para o trabalho. E foi assim, dia após dia, ano após ano,
até que ele percebeu que aquelas terras estavam mesmo arruinadas; bastante
cansado daquela vida no campo, fez um novo anúncio:
- Purezinha, meu
amor, vamos para a capital. Viveremos em São Paulo e vou trabalhar como
escritor e jornalista que é minha paixão. Achava que isto aqui tinha jeito, mas
não tem jeito não. A solução é só uma: partir.
E os dois partiram.
Com o dinheiro da venda da fazenda. José Bento comprou uma revista. Em seguida,
começou a publicar livros.
Certo dia, lembrou
dos sonhos que tinha quando vivia na fazenda e escreveu a história de uma
menina de nariz arrebitado que vivia num sítio chamado Pica-Pau Amarelo.
Continuou escrevendo mais e mais histórias sobre esta menina, chamada
Narizinho, seu irmão, Pedrinho, sua avó, Dona Benta, a cozinheira Anastácia, a
boneca de pano tagarela, que recebeu o nome de Emília, e por aí vai.
José Bento escreveu
tanto que acabou virando o maior escritor de contos infantis do Brasil.
Um dia, Purezinha
perguntou ao marido quando, afinal, ele tinha decidido colocar no papel aquelas
histórias que ela tanto gostava. E ele disse para ela:
- Meu amor, eu acreditava
que poderia fazer da fazenda do vovô uma grande fazenda e não deu certo. Mas
nunca deixei de acreditar que aquele sítio dos meus sonhos poderia virar uma
realidade. Mesmo que não fosse uma realidade de terra, poderia ser uma
realidade de livro, o que não deixa de ser incrivelmente belo. Foi então que tive
a ideia. Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos. Foi o
que eu fiz.
José Bento Monteiro
Lobato viveu com sua esposa, Maria Pureza da Natividade, conhecida como Purezinha,
na Fazenda do Buquira, herdada pelo seu avô, o Visconde de Tremembé, entre 1911
e 1917.
Os negócios na
fazenda não deram certo, mas foi ali que ele teve inspiração para escrever seu
famoso personagem, o Jeca Tatu, baseado no trabalhador rural paulista.
As histórias do Sítio
do Pica-pau Amarelo vieram depois, mas certamente, Monteiro Lobato tinha na memória
as lembranças da fazenda quando deu vida ao sítio e seus personagens.