sábado, 28 de abril de 2012

A Fazenda do Buquira


- Purezinha, meu amor, vamos para a Serra da Mantiqueira, viver na Fazenda do Buquira, herança que o vovô, o Visconde de Tremembé - Deus o tenha - nos deixou.
                Quando José Bento disse isso, Purezinha já sabia que não teria jeito de fazer seu marido mudar de ideia.        
                Os dois se conheceram na cidade de Areias, quando José Bento, um homem esbelto, elegante, de cabelos escuros e lisos e um bigode bem tratado, trabalhava como  promotor.
                Os dois se apaixonaram e se casaram e Purezinha vivia feliz da vida como esposa de um importante advogado, quando a notícia da mudança mudou a vida do casal.
                Mesmo achando aquela ideia de virar fazendeiro uma grande maluquice, Purezinha fez as malas e embarcou na aventura ao lado de José Bento.
                Ele conseguiu convencê-la falando palavras bonitas no seu ouvido, que a deixavam encantada:
                - Loucura? Sonho?, disse ele. Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira, mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum.
                E assim, os dois partiram junto com os filhos. No caminho, iam imaginando aquela fazenda linda, com árvores de todos os tipos e um belo casarão bem cuidado. Purezinha sonhava com as crianças correndo pelas terras da família e todos vivendo felizes para sempre.   
                Mas, quando chegaram na Fazenda do Buquira, encontraram uma enorme plantação de café arruinada. E nem adiantava plantar mais nada ali porque o solo estava tão destruído que nada cresceria.
                José Bento, teimoso que só ele, tentou fazer milagres. Passou os dias inventando projetos mirabolantes para que crescesse ali uma linda plantação, mas chegava do trabalho tão exausto que só pensava em dormir. 
                Quando acordava, durante o café da manhã, contava a Purezinha que tinha sonhado com uma fazenda linda. Uma fazenda, não, um sítio, dizia ele. No sonho, este sítio pertencia a uma senhora que tinha muitos netos e eles viviam grandes histórias.
                - Conta mais, conta mais, pedia Purezinha, que achava a fazenda real tão sem graça que ficava encantada com os sonhos do marido.
                - Ah, dizia José Bento, neste sítio tem uma cozinheira de mão cheia que faz as melhores comidas do mundo. E tem um homem da roça que ensina as crianças a caçar sacis.
                - Sacis?, perguntava Purezinha.
                - Isso mesmo, meu amor, Sacis. E não pense que é apenas coisa da minha cabeça porque eles existem de verdade, sabia?
                Purezinha ria com as graças do marido, mas adorava ouvir suas histórias e pedia que ele continuasse contando seus sonhos.
                - Bem, meu amor, existe neste sítio uma boneca de pano que fala, aliás, é a mais tagarela de todas, é muito divertida. Tem um outro boneco feito de sabugo de milho e tem ainda um porquinho que só pensa em comida e um burro que de burro não tem nada, é na verdade muito inteligente.
                Depois do café, José Bento voltava para o trabalho. E foi assim, dia após dia, ano após ano, até que ele percebeu que aquelas terras estavam mesmo arruinadas; bastante cansado daquela vida no campo, fez um novo anúncio:
                - Purezinha, meu amor, vamos para a capital. Viveremos em São Paulo e vou trabalhar como escritor e jornalista que é minha paixão. Achava que isto aqui tinha jeito, mas não tem jeito não. A solução é só uma: partir.
                E os dois partiram. Com o dinheiro da venda da fazenda. José Bento comprou uma revista. Em seguida, começou a publicar livros.
                Certo dia, lembrou dos sonhos que tinha quando vivia na fazenda e escreveu a história de uma menina de nariz arrebitado que vivia num sítio chamado Pica-Pau Amarelo. Continuou escrevendo mais e mais histórias sobre esta menina, chamada Narizinho, seu irmão, Pedrinho, sua avó, Dona Benta, a cozinheira Anastácia, a boneca de pano tagarela, que recebeu o nome de Emília, e por aí vai.
                José Bento escreveu tanto que acabou virando o maior escritor de contos infantis do Brasil.
                Um dia, Purezinha perguntou ao marido quando, afinal, ele tinha decidido colocar no papel aquelas histórias que ela tanto gostava. E ele disse para ela:
                - Meu amor, eu acreditava que poderia fazer da fazenda do vovô uma grande fazenda e não deu certo. Mas nunca deixei de acreditar que aquele sítio dos meus sonhos poderia virar uma realidade. Mesmo que não fosse uma realidade de terra, poderia ser uma realidade de livro, o que não deixa de ser incrivelmente belo. Foi então que tive a ideia. Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos. Foi o que eu fiz.

José Bento Monteiro Lobato viveu com sua esposa, Maria Pureza da Natividade, conhecida como Purezinha, na Fazenda do Buquira, herdada pelo seu avô, o Visconde de Tremembé, entre 1911 e 1917.
Os negócios na fazenda não deram certo, mas foi ali que ele teve inspiração para escrever seu famoso personagem, o Jeca Tatu, baseado no trabalhador rural paulista.
As histórias do Sítio do Pica-pau Amarelo vieram depois, mas certamente, Monteiro Lobato tinha na memória as lembranças da fazenda quando deu vida ao sítio e seus personagens.

4 comentários:

  1. Arrasou !

    Camila,

    Somente você mesmo; conseguiu sintetizar tão bem a biografia e história deste Ilustre Brasileiro, Monteiro Lobato.

    Beijos !

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  2. Hei, estamos com saudades de suas histórias ... quando vai publicar mais !?
    Beijos !!!

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  3. Camila, esta sua história é linda e emocionante. Ela nos leva a viver nos sonhos de Monteiro Lobato.
    Parabéns.

    Não deixa de postar outras suas histórias, pois todas são belíssimas e ricas.

    Abraços.

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